Caminhões, máquinas e sirenes de detonação transformam a rotina no Joá: ‘Inferno o dia todo’

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joa_obrafonte: O Globo

O barulho esteve presente desde o início da produção desta reportagem. As primeiras apurações começaram por volta das 14h do último dia 24, uma quarta-feira, tendo como trilha sonora o ruído estridente de uma sirene. Ao ligar para o presidente da Sociedade Amigos da Joatinga (Sajo), Gilberto Almeida, o que o repórter ouviu foi um ruído agudo, anunciando que uma nova explosão estava prestes a acontecer. As detonações fazem parte da obra de ampliação do Elevado do Joá, que começou em junho de 2014 e deve estar pronta em meados de 2016. Um trabalho que vem causando transtornos aos moradores do bairro (em 2010, eram 818, em 318 residências, segundo o IBGE).

— Agora é esse inferno o dia todo. Vem aqui que você vai ver — convidou Almeida.

Fomos. Da varanda de sua casa, avista-se o grande canteiro de obras da ampliação, em meio a um pequeno paraíso verde. E ouve-se o barulho de um exaustor instalado há cerca de 30 dias para absorver a terra lançada pelos ares durante as duas explosões diárias realizadas no local, necessárias para abertura de um novo túnel.

— Antes, daqui não se ouvia nem o barulho dos carros, porque havia uma barreira de árvores que absorvia o som. Sempre dormi pouco, mas agora não consigo nem dormir nem trabalhar de madrugada — reclama Almeida.

Ele diz que não viu técnicos colhendo informações para um Estudo de Impacto Ambiental antes do início da obra e considera a retirada de árvores indiscriminada. Acrescenta que a fauna local também padece.

— A cada explosão, há fuga de pelo menos uns três cachorros. Capivaras estão se suicidando (jogando-se em buracos), e ratos e mosquitos têm invadido as casas. Sempre alimentei pássaros e micos na minha janela, mas agora eles sumiram — conta.

Projeto de duplicação do Elevado do Joá apresentado em 2013 – Divulgação

Na casa de Cláudia Oliveira da Costa e do barraqueiro Nodivaldo Rodrigues do Nascimento, o Nonô, figura conhecida na Praia da Joatinga, a situação é pior. Como o terreno deles fica a menos de cem metros da frente de obras, além do barulho ininterrupto do exaustor, o casal e os dois filhos convivem diariamente com a sirene dos caminhões manobrando em marcha a ré, com uma máquina que perfura a rocha, e, desde janeiro, com o alarme que antecede as explosões. Segundo eles, o sinal deveria disparar apenas às 14h e às 22h, anunciando as detonações programadas, que duram cerca de meia hora cada. Mas tem soado fora do horário também.

— Eu acordo de madrugada, assustada. Aí saio da casa e vejo que não está acontecendo nada. Só tenho conseguido dormir ultimamente porque estou muito cansada — conta Cláudia.

A casa deles foi construída pelo avô de Nonô, na década de 1930, e hoje está rodeada por outras. Como tem um grande quintal, ele cria um cão, patos e galinhas, que, afirma, vivem estressados.

— Os animais são os que mais sofrem. Eles se assustam com a sirene e as explosões. Quando tem detonação, somem. E nós temos que conviver com o barulho desse ventilador dia e noite — lamenta.

As explosões devem durar oito meses.

TREMORES LEMBRAM TERREMOTOS

O suplício do barraqueiro Nonô diminuiu um pouco desde o dia 21 do mês passado, quando ele e a família tiveram autorização para passar a ficar em casa durante as detonações. Antes, como a casa é antiga e fica numa encosta, eles eram obrigados a sair e aguardar 30 minutos dentro de um contêiner.

— A casa treme toda. A gente deixa xampu no banheiro e ele cai; deixa panela na pia e ela cai. Chega a dar medo — conta sua mulher, Cláudia.

O medo também atinge o porteiro Anderson José Gomes, que há 16 anos mora e trabalha no Condomínio da Joatinga. A guarita fica a 300 metros da obra e sofre seu impacto:

— Aqui sempre foi tranquilo, mas agora, quando tem explosão, a portaria estremece toda. Dá até para ver o vidro balançando todinho.

O tremor é tão forte que os turistas o percebem na Praia da Joatinga. O argentino Demian Nasielski, de férias no Rio, ficou curioso.

— Sabia que não podia ser terremoto, porque não tem isso aqui no Rio de Janeiro. Mas não é algo que atrapalhe o dia, ainda mais diante de uma vista destas — minimiza.

Presidente da Sociedade Amigos da Joatinga (Sajo), Gilberto Almeida envia correspondências à prefeitura constantemente pedindo soluções – Fernanda Dias / Agência O Globo

Diferentemente do turista, o vendedor ambulante Nazareno Arcanjo, que diariamente coloca seu isopor no topo da pedra que dá acesso à praia, diz que já se acostumou com o tremor, mas ainda fica apreensivo.

— Nas primeiras vezes eu fiquei com medo, sim. E ainda agora não me sinto totalmente seguro — afirma.

O presidente da Sajo, Gilberto Almeida, diz que, constantemente, envia correspondência para a prefeitura, em nome dos 252 filiados à associação, reclamando da situação e fazendo questão de citar os R$ 10 milhões que estes pagam anualmente de IPTU e ITBI.

— Queria que o prefeito instalasse o gabinete dele aqui, mas sem ar-condicionado e tapumes para abafar o som, só para ver se consegue trabalhar com esse barulho que a gente enfrenta 24 horas por dia — desafia.

A ampliação do Elevado do Joá será um legado dos Jogos Olímpicos. Foi planejada para desafogar o trânsito entre São Conrado e Barra, com a construção de duas novas pistas de rolamento e alargamento de ruas até a Praça Euvaldo Lodi, no Jardim Oceânico, onde chegará o metrô. É esperado que a obra cause reflexo positivo na Autoestrada Lagoa-Barra. Um dos destaques será a ciclovia, que irá da Praia dos Amores, na Barra, a São Conrado. Ao todo, serão cinco quilômetros de extensão, executados pela Odebrecht a um custo aproximado de R$ 458 milhões. A fiscalização cabe à Geo-Rio.

Sobre o disparo da sirene que anuncia as explosões fora do horário, a Secretaria municipal de Obras (SMO) afirma que isso só aconteceu uma vez, pela ação de um funcionário que desrepeitou as normas estabelecidas pela Odebrecht. Segundo o órgão, o caso foi resolvido rapidamente; o operário, demitido; e o sistema de segurança, reforçado.

A respeito do barulho causado pelo exaustor, a SMO diz que o aparelho era necessário e estava dentro das normas técnicas previstas para este tipo de trabalho. Mesmo assim, no último fim de semana ele foi substituído por um sistema mais moderno e silencioso.

Sobre a necessidade de evacuar residências durante a explosão, a Secretaria de Obras explica que a medida foi adotada em apenas dois terrenos, “somente pelo desconforto causado pelo ruído e tremor”. O órgão garante que as detonações não provocam danos estruturais nas residências nem põem a integridade física dos moradores em risco.

A SMO afirma, ainda, que foi realizado um Estudo de Impacto Ambiental antes da realização da obra e, que, ao final do trabalho, haverá o reflorestamento de 12,5 hectares, priorizando espécies nativas da Mata Atlântica.